segunda-feira, 3 de agosto de 2020

03/ago/2020

Hoje o dia foi muito corrido como há tempos não era... E eis que em meio ao furacão de reuniões, documentos, atendimentos, plantão, me chega um pedido para rezar com uma paciente e sua família. Desde cedo a filha havia me mandado mensagem contando da noite sem paz que a mãe tinha passado, referindo dores mesmo em uso de analgésico potente... Mas que resistia a aumentar a dose dos medicamentos para permanecer acordada e aguardar o filho que chegaria hoje à tarde para se despedir pessoalmente... E eu sabia que ela estava fazendo um sacrifício enorme para aguentar firme para beijar pela última vez esse filho tão amado quanto os outros, mas que morava longe. 

Nessa hora, ligo para o Padre e para o Diácono. Pelos desencontros da vida, eis que minha missão como ministra da Eucaristia também seria a de levar conforto espiritual a essa paciente e sua família. Eu já iria reavaliá-la como médica paliativista. Então por que não seria capaz de fazer essa oração com eles?

Não me perguntem de onde veio minha força para não chorar junto, nem de que gavetas saíram minhas palavras de conforto e fé. Realmente Deus capacita os escolhidos. Expliquei a Dona Alba* que estava ali para prescrever um remédio para aliviar seu sofrimento e também que iria segurar sua mão e rezar por ela. E enquanto sua medicação chegava da farmácia, já fiquei no quarto conversando com seus familiares e procurando o momento certo de me aproximar dela para enfim ser tão somente um instrumento de Deus.

Pois saibam que a oração veio, com toda a fé de quem crê num amanhã sem dor nem sofrimento. As palavras de consolo saíam de meus lábios sem medo de tocar a alma de quem estava ali tão fragilizado, tão ferido pela dor de ver sua mãe, sua esposa, sua sogra partir e nada poder fazer a não ser pedir a Deus que a levasse para um mundo melhor.

Ali, naquele quarto, segurando firme a mão de Dona Alba*, consegui aliar a Medicina Paliativa e sua técnica ao que temos de mais sagrado em nós: a empatia humana, o amor pelo próximo, o desejo de fazer o bem. Tive a honra mais uma vez de estar com uma pessoa que se despedia dos amores de sua vida. Fui testemunha do amor entre um marido e a esposa que deixa essa vida. Ouvi vários "Eu te amo" sinceros, completos, únicos... E agradeci a Deus e Nossa Senhora por me permitirem ajudar meus pacientes a fazer essa travessia com o mínimo de desconforto, de maneira quase indolor, serena, em paz... 

Eis que posso quase sempre vivenciar verdadeiramente o que resume o papel do médico: "Curar quando possível, aliviar quando necessário, consolar sempre."

*nome fictício da paciente